quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Trajetória, posição e referencial

Cinemática — Fundamentos

Trajetória, Posição e Referencial

Como escolher o referencial, descrever a posição e entender por que a trajetória depende do observador.

1ª série / Introdução Duração: 1 aula (50–70 min) Pré‑requisito: noções de vetor e escala

🎯 Objetivos

  • Diferenciar referencial, posição e trajetória e explicar a relação entre eles.
  • Representar a posição em 1D e 2D, escolhendo origem, eixos e unidades adequados.
  • Reconhecer que a forma da trajetória depende do referencial adotado.
  • Distinguir deslocamento vetorial de distância percorrida.
  • Resolver problemas simples e interpretar trajetórias em situações do cotidiano.

1) Introdução rápida

Em Física, não existe “posição absoluta”: sempre descrevemos onde algo está e como se move em relação a um referencial (um conjunto de eixos, um relógio e um observador). A trajetória é o caminho que o objeto traça ao longo do tempo nesse referencial. Por isso, a mesma situação pode gerar trajetórias diferentes para observadores distintos.

Ex.: Um passageiro caminha no corredor do ônibus. Para quem está dentro do ônibus, ele faz uma trajetória retilínea ao longo do corredor. Para quem está na calçada, a trajetória é inclinada (soma do movimento do ônibus com o do passageiro).

2) Conceitos fundamentais

2.1 Referencial

Referencial é um sistema de referência: define um ponto de origem, eixos (1D, 2D ou 3D) e um relógio. É em relação a ele que medimos posição, tempo e descrevemos o movimento.

2.2 Posição

  • Em 1D: posição é um número em um eixo (ex.: x = +3 m). A origem (x = 0) e o sentido positivo precisam ser definidos.
  • Em 2D: posição é um par ordenado (x, y). Em 3D: (x, y, z). Também podemos usar outras coordenadas (polares, cilíndricas), quando conveniente.
  • O vetor posição pode ser indicado por r, apontando da origem até o ponto do objeto.

2.3 Trajetória

Conjunto dos pontos ocupados pelo objeto ao longo do tempo, no referencial adotado. Pode ser retilínea, curvilínea, circular, parabólica etc. A forma da trajetória depende do referencial.

2.4 Deslocamento x distância

  • Deslocamento vetorial Δr = r_final − r_inicial (aponta da posição inicial para a final). Independe do caminho.
  • Distância percorrida: soma dos comprimentos de cada trecho do caminho. Depende do caminho.
Dica didática: peça aos alunos que desenhem a trajetória e marquem com uma seta o deslocamento (apenas do início ao fim). Isso ajuda a separar “caminho” de “vetor deslocamento”.

3) Sistemas de coordenadas e notação

  • 1D (reta): escolha origem e sentido positivo (ex.: para a direita). Unidades padrão do SI: metro (m) para posição/comprimento e segundo (s) para tempo.
  • 2D (plano): eixos x e y ortogonais. Use setas para indicar sentidos positivos. Em problemas com lançamentos oblíquos, separar horizontal e vertical facilita.
  • Mudança de origem: alterar o zero muda os valores numéricos, mas não muda fenômenos físicos. Seja consistente na escolha.

4) Exemplos visuais e cotidianos

4.1 Passageiro no ônibus

Passageiro anda 1 m/s para frente no corredor do ônibus. O ônibus move-se a 10 m/s em relação ao solo. Para quem observa da calçada, a posição do passageiro é a soma dos dois movimentos ⇒ trajetória retilínea oblíqua.

4.2 Gotas de chuva com vento

Sem vento: trajetória vertical (retilínea) em relação ao solo. Com vento horizontal constante: trajetória inclinada (soma de velocidades horizontal e vertical).

4.3 Esteira rolante

Uma pessoa parada em relação à esteira move-se em relação ao chão. Isso evidencia que repouso e movimento são relativos ao referencial.

Ideia de visual rápido (sem imagem)
Para uma lousa digital: desenhe dois quadros lado a lado. Esquerda: eixo x do ônibus, passageiro com trajetória reta. Direita: eixo x do solo, ônibus avançando e a trajetória do passageiro inclinada.

5) Como escolher o referencial e os eixos

  • Escolha um referencial conveniente para simplificar o problema (ex.: no ônibus para analisar o movimento relativo do passageiro).
  • Defina claramente a origem e os sentidos positivos antes de calcular.
  • Declare as unidades (m, s) e mantenha consistência ao longo de todo o exercício.
Regra de ouro: “Sem referencial declarado, a resposta está incompleta.”

6) Erros comuns

  • Confundir trajetória com deslocamento (caminho vs vetor início–fim).
  • Esquecer de declarar o referencial e a origem.
  • Trocar distância percorrida por módulo do deslocamento.
  • Usar unidades diferentes no mesmo cálculo sem converter (cm com m, por exemplo).

7) Exercícios resolvidos

Resolvido 1 — Passageiro no ônibus

Enunciado. Um passageiro caminha a 1,0 m/s para a frente dentro de um ônibus que se move a 10,0 m/s em relação ao solo, na mesma direção do corredor. Descreva a trajetória do passageiro:

  • a) no referencial do ônibus;
  • b) no referencial do solo.

Resolução.

  • a) No ônibus: o ônibus é o referencial. O passageiro tem trajetória retilínea ao longo do corredor, com velocidade 1,0 m/s. Se definirmos o eixo x para a frente, x(t) = x0 + 1,0·t.
  • b) No solo: somamos a velocidade do ônibus (10,0 m/s) com a do passageiro (1,0 m/s) na mesma direção e sentido. Velocidade em relação ao solo = 11,0 m/s; trajetória retilínea, mesma direção, mais rápida. x(t) = x0 + 11,0·t.
Conclusão: a forma da trajetória manteve-se retilínea, mas o valor da velocidade mudou com o referencial.
Resolvido 2 — Gotas de chuva com vento

Enunciado. Gotas caem verticalmente a 5 m/s em relação ao ar. Há um vento horizontal que move o ar a 3 m/s em relação ao solo. Qual é a trajetória e a velocidade da gota em relação ao solo?

Resolução. Em relação ao solo, a gota combina duas velocidades perpendiculares: 3 m/s (horizontal) e 5 m/s (vertical). A trajetória é retilínea inclinada. O módulo da velocidade é √(3² + 5²) = √34 ≈ 5,83 m/s. O ângulo com a horizontal é θ = arctan(5/3) ≈ 59°.

Note como o vento (referencial do solo) altera a direção aparente do movimento.
Resolvido 3 — Esteira + pessoa parada

Enunciado. Uma pessoa está parada em relação à esteira do aeroporto. A esteira move-se a 0,8 m/s em relação ao solo. Como a pessoa é vista pelos observadores: a) sobre a esteira; b) no solo?

Resolução. a) Para quem está na esteira (referencial não inercial, mas útil localmente), a pessoa está em repouso (trajetória degenerada num ponto). b) Para quem está no solo (aprox. inercial), a pessoa tem trajetória retilínea com 0,8 m/s na direção da esteira.

8) Exercícios propostos

Resolva, declarando sempre o referencial, a origem, os eixos e as unidades.

  1. Ciclista e calçada: Um ciclista pedala na rua a 6 m/s. Uma criança caminha paralelamente na calçada, a 1 m/s, no mesmo sentido. Descreva a trajetória da criança vista pelo ciclista.
  2. Drone e vento: Um drone mantém velocidade de 4 m/s para Norte em relação ao ar. O vento sopra 3 m/s para Leste em relação ao solo. Descreva a trajetória e a velocidade do drone em relação ao solo.
  3. Queda sem vento: Uma bola é solta de uma janela. Qual é a trajetória da bola no referencial do solo? E no referencial do elevador que desce junto à mesma velocidade da bola (sem ar)?
  4. Corredor na passarela: Um estudante corre sobre uma passarela rolante a 2 m/s em relação à passarela, que se move a 1 m/s no sentido oposto. Descreva a trajetória e a velocidade do estudante em relação ao solo.
  5. Trajetória vs deslocamento: Uma pessoa caminha de A para B contornando um quarteirão (quatro lados iguais). Desenhe a trajetória e indique o deslocamento.
  6. 1D no corredor: Em um eixo x ao longo de um corredor, x=0 na porta da sala e sentido positivo “para o fundo”. Um aluno está em x=−2 m e vai até x=+3 m. Determine (i) deslocamento, (ii) distância percorrida (supondo ida direta), (iii) nova posição se voltar 1 m.
  7. Observadores diferentes: Uma bola rola no banco traseiro de um carro em linha reta dentro do carro. Descreva a trajetória para: a) passageiro ao lado; b) pedestre na calçada, com o carro em movimento retilíneo.
  8. Coordenadas 2D: No plano, a posição de um ponto é dada por (x(t), y(t)) = (2t, 3). Descreva a trajetória e a natureza do movimento.
Gabarito (clique para abrir)
  1. Reta no mesmo sentido, com velocidade relativa 1 − 6 = −5 m/s (ou 5 m/s no sentido oposto ao do ciclista). Trajetória retilínea ao longo da rua.
  2. Reta inclinada; velocidade em relação ao solo: vetor soma (0, 4) + (3, 0) ⇒ módulo √(3²+4²)=5 m/s, direção 53° acima do Leste.
  3. Solo: retilínea vertical; Elevador ideal que desce junto: repouso (ponto), se velocidades coincidirem exatamente.
  4. V_rel_solo = 2 + (−1) = 1 m/s no sentido do estudante em relação ao solo. Trajetória retilínea ao longo da passarela.
  5. Trajetória: retângulo em volta do quarteirão; Deslocamento: vetor direto de A para B (diagonal), independente do caminho.
  6. (i) Δx = +3 − (−2) = +5 m; (ii) distância = 5 m; (iii) nova posição = 3 − 1 = 2 m.
  7. a) Reta ao longo do banco; b) Reta inclinada (ou curva, se o carro estiver acelerando/virando), pois soma com o movimento do carro.
  8. Reta horizontal em y = 3, movimento retilíneo uniforme no eixo x.

✅ Critérios de Sucesso

  • Declara o referencial, a origem e os eixos antes de resolver.
  • Identifica corretamente se a trajetória é retilínea ou curvilínea.
  • Distingue deslocamento de distância percorrida em qualquer situação.
  • Usa unidades do SI e coerência de sinais (±) em 1D.
  • Comunica a resposta com frase final que menciona o referencial (“em relação ao solo...”).

🧪 Rubrica de avaliação rápida

Avalie cada item de 0 a 2 (0 = não atende; 1 = parcialmente; 2 = plenamente). Meta: ≥ 8/10.

  • R1 — Referencial declarado: indica qual é o observador, origem e eixos.
  • R2 — Classificação da trajetória: retilínea/curvilínea e justificativa sucinta.
  • R3 — Deslocamento vs distância: identifica e calcula corretamente.
  • R4 — Unidades e sinais: usa SI, converte quando necessário e mantém coerência de sinais.
  • R5 — Comunicação: conclusão clara que cita o referencial adotado.

11) FAQ

“Repouso” existe de forma absoluta?

Não. Repouso é sempre relativo a um referencial. Um objeto pode estar em repouso no ônibus e em movimento em relação ao solo.

Deslocamento é sempre igual à distância?

Não. Só coincidem quando a trajetória é uma reta entre o ponto inicial e o final, no mesmo sentido.

Posso escolher qualquer origem e eixos?

Sim, desde que seja claro e consistente. Em geral escolhemos origens e eixos que simplifiquem os cálculos e a interpretação.

👩‍🏫 Anotações do professor (oculto aos alunos)
  • Abertura de 2 min: peça que definam “onde estou?” e coletem respostas — conduza para “em relação a quê?”.
  • Atividade relâmpago: dois alunos andam em direções diferentes; a turma descreve a trajetória de cada um no referencial da sala e no “referencial da câmera do celular”.
  • Encerramento: checklist dos Critérios de Sucesso como saída (exit ticket).